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O que essa padoca tem?

Respondendo à boa demanda do mercado, novas panificadoras são abertas em Brasília e já se destacam com produtos diferenciados

por Jéssica Germano (Encontro Brasília)

27/03/2015

O cheiro da massa quente, recém-saída do forno, não é exatamente uma novidade nas comerciais brasilienses. Acostumada a ter padarias nas quadras que dividem os blocos residenciais do Plano Piloto, a capital, porém, foi pega no último ano pela onda de lojas especializadas em pães produzidos artesanalmente e com bons ingredientes. Indo além da clássica baguete, alguns estabelecimentos optaram por diferentes linhas de panificação e têm conquistado o paladar que até então pouco se diversificava quando o assunto era o simples “pão francês”. Para comer um croissant folheado na medida certa ou um pão integral recheado, o leque de opções não para de crescer. Há muitos diferenciais em cada uma das novas casas no ramo.

Em meio a uma decoração alternativa e moderna, com direito a cardápio escrito na parede negra por giz e cadeiras coloridas, o Dylan Café & Bakery nasceu da necessidade de Fabrício Campos em ter um pão de boa qualidade, sem aditivos químicos, em pleno cerrado. A ideia surgiu depois de uma temporada de dez anos na Austrália em que conheceu bons amigos padeiros e foi apresentado ao rústico pão sourdough.  “Literalmente, o nome significa farinha e água, fermentadas durante vários dias”, explica o brasiliense, que comanda o misto de padaria e cafeteria da 315 Sul ao lado da mulher, argentina, Mariela Sztrum.

De portas abertas desde setembro, todas as criações vêm das mãos de Fabrício, que, apesar de ter concluído um curso de gastronomia pelo Senac no Brasil, e ter estudado na tradicional Le Cordon Bleu, em Sidney, rejeita o título de padeiro. “Eu faço um tipo de pão que é muito específico. Eu não passei por uma escola para ver outros”, justifica. Em sua cozinha nascem pães – todos sourdough – que podem ganhar alguns acréscimos, como o que leva azeitona e alecrim e já é um dos mais queridos entre a clientela que se firmou desde a inauguração. Ao lado dele, é o pão multigrãos, feito a partir de um blend (da casa) de farinha branca, integral, cevada e centeio, que encabeça a lista dos mais vendidos.

“Eu sigo o jeito mais tradicional e rudimentar de fazer pão”, diz o empreendedor, para explicar o processo de criar o fermento próprio, à base apenas de farinha e água – e só depois produzir a massa com trigo de grão duro –, que pode levar até dois dias. Isso porque, depois de a mistura da massa ficar pronta, ela ainda fermenta a frio por, no mínimo, 14 horas. “Hoje eu estou fazendo o pão com o fermento que eu produzi ontem”, resume. Nas receitas feitas no estabelecimento, nenhum produto químico é usado, seja ele para fazer crescer a massa, seja para fazer com que dure mais.

De casca mais grossa, mas textura macia e leve na parte de dentro, o pão de estilo mais rústico é vendido em tamanho de 500 gramas durante a semana e pode variar de R$10 a R$ 14, dependendo do sabor. Já aos sábados e domingos, as peças são vendidas também em versões de 1,5 kg.

Adepta de uma linha de panificação mais mediterrânea, com base especialmente na cozinha italiana, a Panetteria D’Oliva aposta em pães com maior presença de farinha integral e azeite de oliva, no lugar da gordura da manteiga. “Não só por uma questão de consumo em dietas, mas realmente porque as receitas tradicionais levavam mais grãos, mais cereais”, explica Felipe Oliveira, padeiro e proprietário da marca inaugurada em agosto. “A farinha refinada é muito nova”, detalha.

O resultado aparece no sabor e consistência das criações servidas na lojinha modesta da QE 26 do Guará II. “São pães, não só menos hidratados, mas também um pouco mais macios, com a massa mais consistente e um sabor um pouco mais acentuado”, descreve.

Das receitas feitas manualmente por Felipe, e sem pré-misturas prontas, resultam uma média de 20 diferentes pães, que sempre são encontrados na loja. O pão italiano tradicional, o integral, o pão de campanha e as baguetes (também em versão integral) entram nessa lista, mas é o de castanha e os recheados que chamam a atenção. Lançado recentemente, a massa integral recheada com queijo gorgonzola tem feito sucesso após as versões com calabresa e parmesão em farinha branca. “A nossa proposta é sempre apresentar, semana ou quinzenalmente, um pão diferente”, conta.

Para o profissional à frente das criações da Panetteria, não há dúvidas de que a clientela brasiliense está cada vez mais procurando produtos artesanais. “As pessoas têm, de início, certo espanto ao ver pães feitos dessa forma”, comenta, lembrando que a maior parte ainda está acostumada aos pães industrializados. “Quando explicamos a diferença, e elas veem que podem comprar um pão mais gostoso, com um preço não tão diferente, mas uma qualidade muito maior, elas ficam entusiasmadas.”

Com uma loja física prevista ainda para o primeiro semestre deste ano, Dilson Menezes aproveita o bom momento do mercado. Trabalhando com pães artesanais há cinco anos, o engenheiro civil pretende mudar definitivamente de segmento com a inauguração da Varanda Pães Especiais, na 215 Norte. Até lá, ele – que é também padeiro – segue com um sistema de vendas online, por meio do site homônimo, pelo qual o cliente consegue saber quais são os pães da semana e encomendá-los para entrega no sábado.

Ao todo, Dilson possui 30 receitas, a grande parte feita com farinha integral e orgânica. Qualquer um sai a R$ 15, e soma-se ao custo do delivery de R$ 6. O de passas com nozes, que também leva farinha de centeio, é um dos mais pedidos entre a média dos 200 semanais, juntamente com os lançamentos, como o de chocolate com raspas de laranja.

“Enquanto não abrimos de vez, os clientes podem ir variando e provando diferentes tipos”, diz. Sobre a paixão que o fez trocar de profissão, o empresário destaca o envolvimento com a seleção de matéria-prima e criação. “Esse respeito na fabricação do pão é o que eu acho que reflete também no produto”, acredita Dilson, satisfeito com o empreendimento que nasceu do burburinho do boca a boca.

Já o termo viennoiserie é diretamente relacionado ao produto de destaque da charmosa loja que ocupa uma das esquinas da comercial da 211 Sul, desde setembro. Na La Panière, apesar de dezenas de outros itens enfeitarem o farto balcão de criações, são os croissants frescos que saltam aos olhos e ao paladar. Isso porque, mesmo já bem popularizada no Brasil, a massa folhada perfeita é uma receita que merece cuidados, segundo a francesa Laurence Mourot. “É um grande desafio fazer um bom folhado no calor”, constata a simpática proprietária do lugar, citando variáveis como a temperatura e a qualidade da manteiga, bem diferentes do berço europeu da receita.

Para dar conta da missão, a empresária, que mora no Brasil há 35 anos, foi em busca de um parceiro ideal no exterior, que é quem hoje se responsabiliza pelas quatro famílias de pães em que se dividem os produtos do empreendimento. Bertrand Evain é o nome por trás de toda a linha de panificação de integrais, semi-integrais, fougasse (tipo de focaccia que recebe ingredientes como calabresa, castanha, azeite e alecrim) e folhados servidos na casa, que funciona com mesinhas para café.

Laurence credita ao chef boulanger, seu conterrâneo, grande parte do sucesso em adaptar tão bem guloseimas tradicionais da panificação francesa ao gosto brasileiro. O chausson, por exemplo, massa tradicionalmente servida com recheio de maçã, recebe a banana e um leve toque de abacaxi na versão brasiliense. Mas, entre os folhados, é o croissant puro (ele pode vir também recheado com queijo ou queijo e presunto) e o pain au chocolat (mesma receita, mas com pedaços de chocolate) que são os carros-chefes de pedidos. E as inovações, que sempre ganham participação familiar com a presença constante das filhas Elisa Marin e Julia Mourot, não devem parar. “Eu quero que a La Panière tenha produtos cada vez mais brasileiros”, almeja Laurence. “Tem muitas farinhas, muitas frutas, muitas castanhas aqui”, diz, referindo-se em especial ao bioma do cerrado.

O modelo de inspiração francesa foi, aliás, um dos primeiros a cair no gosto dos moradores da capital. À frente da La Boulangerie há oito anos, tempo que acumula também na cidade, Guillaume Petigas vem investindo nos bons ingredientes e na técnica clássica para um negócio de sucesso. O reconhecimento já lhe rendeu o prêmio de melhor padaria da cidade por dois anos na Encontro Gastrô e também a boa fama da fila que se forma na porta da loja nos fins de tarde. Suas baguetes, em especial a de parmesão, são igualmente conhecidas, e por isso o empreendedor abriu novas unidades, filiais menores, apenas para vendas e sem o espaço para o café: em dezembro, na 212 Norte, e no fim de fevereiro, na QI 21 do Lago Sul. Sob o nome de La Petite La Boulangerie, os pontos vendem grande parte dos sucessos da matriz, na 306 Sul. Até 2017, Sudoeste e Águas Claras também devem ganhar unidades da famosa padaria.

Com um balcão menor, mas reposto, no mínimo, três vezes por dia – as fornadas saem em carrinhos térmicos às 6h30, às 14h e por volta das 17h da fábrica –, na La Petite não faltam as receitas mais pedidas, como o pão de cereais e os petit fours.  Mas dono de uma veia criativa pulsante, Petigas não deixa de trazer novidades. Ponto que pode ser visto tanto no pão do mês (em março, feito com banana e granola) quanto no recém-criado austríaco. Neste último, a massa integral recebe o acréscimo de girassol, aveia, gergelim, além de pedaços de damasco, ameixas, uva-passa e amêndoas.

“Brasília come muito pão”, observa o chef boulanger, considerando o movimento de novas padarias. “E a grande questão é que nós fazemos pães diferentes. Um faz pão com fermento natural, outro com levedo, outro trabalha mais com pão de fôrma ou aposta em um só tipo de pão. Tem lugar para todo mundo”, constata.