12/09/12
A tapioca, tradicional “merenda” das regiões Norte e Nordeste, está expandindo seus domínios.
A goma extraída da mandioca – que, aquecida, dá origem a beijus rígidos e outros formatos mais flexíveis – saiu dos fogões da praia e do sertão para ganhar novos territórios, como restaurantes estrelados, padarias concorridas e menus de festas. Atingiu, enfim, o status de comida moderna e refinada.
Essa conquista aconteceu por partes, mas em ritmo acelerado. Popular em Estados como Ceará e Bahia, a tapioca chegou às ruas das capitais do Sudeste em modestas barraquinhas, para agradar aos migrantes nordestinos.
Depois, seduziu algumas tradicionais confeitarias de São Paulo, passou a ocupar mesas de casamentos e foi reinventada por expoentes da alta gastronomia nacional.
Em meio a essa expansão, surgiu até em letra de Chico Buarque: “Gostosa/ Quentinha/ Tapioca…”, na canção “Carioca”, do CD de mesmo nome lançado em 2006.
O motivo de tanto sucesso? “É um ingrediente absolutamente versátil”, afirma Jorge da Hora, professor do Senac. “É o nosso taco, o nosso crepe, podemos fazer tudo com ela”, diz ele.
Além disso, a tapioca é genuinamente brasileira. “É um prato teoricamente simples, que tem ganhado mais destaque porque passamos a valorizar o que é nosso. E também por esse movimento de trazer o velho como novo.”
Velho mesmo. Mais precisamente do começo da história do Brasil. “Já integrava as práticas alimentares da população indígena, conforme consta nos primeiros registros escritos sobre o país, datados do século 16″, diz o professor de educação e história da comida da Universidade Federal do Ceará, José Arimatéia Bezerra.
De lá pra cá, são cinco séculos de tapioca.
A revolução da tapioca se deu de fora para dentro na gastronomia paulistana, quando chefs interessados em ingredientes genuinamente brasileiros trataram de reelaborá-la.
Peça-chave do prato filhote com tucupi, do D.O.M., a tapioca é cozida por 45 minutos e depois marinada no tucupi. No Capim Santo, é cozida com leite de coco, creme de palmito e camarões. No Dui e no Obá, entra em pratos salgados e doces.
Esse movimento abriu os olhos de gente que já conhecia a tapioca de outros carnavais, mas que estava acostumada a vê-la – e a comê-la – apenas como item do café da manhã ou da tarde.
“A valorização da tapioca começou há uns cinco anos no eixo Rio-São Paulo e só depois de receber esse ‘selo de aprovação’ chegou aqui ao Nordeste. Antes, era muito regional e pontual, como os beijus, que começamos a servir há uns 15 anos”, conta Isabela Fiúza, responsável pela cozinha do La Maison, casa de festas de Fortaleza.
O prato acabou por se tornar uma constante no cardápio das festas de casamento realizadas pelo bufê. É comum aparecer em versões como o caviar de tapioca com fumê e postas de peixe ou com tinta de lula.
Com duas décadas de experiência, José Osmar de Sousa, o Osmar, integrante da realeza da tapioca em Fortaleza, também começou a produzi-la para casamentos. “Vendemos a mais fininha e molhada em leite de coco nas ocasiões mais especiais.”
O maior atrativo, no entanto, é a pequena casa onde ele serve café da manhã todos os dias e prepara até 250 redondas de uma vez. “Purista”, como se define, Osmar vai contra a corrente. Não gosta de “muita invenção no recheio”.
Para ele, o que faz uma boa tapioca é a massa, e a única coisa que deve variar é o formato: tradicional, caseira (ou grossa), fina e beiju. “O segredo é ter a mistura certa e o fogo na temperatura ideal, nem muito quente, que pode endurecer a goma, nem muito frio, que não dá a liga.”
Da entrada à sobremesa
Um tipo comum nas casas paulistanas mais sofisticadas é a “tapioca desconstruída”.
A chef Bel Coelho, do Dui, é uma das que aderiram ao formato. Serve versão mais tradicional de beiju com queijo da Canastra no seu couvert e surpreende na sobremesa com um tartare de abacaxi acompanhado de brûlée de tapioca e baba de moça.
“A tapioca é o pão do brasileiro. Por mais que ainda não tenhamos absorvido o ingrediente dessa maneira, é o que deveríamos fazer. Pode ser acompanhamento para tudo”, acredita a chef.
E é justamente o quartel-general do pão o último bastião a ser tomado: a padaria.
A Benjamin Abrahão, em Higienópolis, passou a servi-la porque “os funcionários nordestinos sentiam falta do item no cardápio”, conta a proprietária Raquel Abrahão. “Os clientes até inventam novos sabores para os recheios.”
A tapioca está podendo – MODERNINHA
A segunda nova personalidade da tapioca, a de comida moderninha, foi adquirida ainda em Fortaleza, onde é muito difundida.
A pizzaria e tapiocaria Coco Bambu, que serve a tapioca recheada com 23 combinações diferentes, é uma das líderes dessa vertente. “Pensamos em agregar valor à nossa pizzaria explorando a tradição de tapioca no fim da tarde que há no Nordeste”, diz o diretor Eugênio Vieira. Deu certo. A ideia foi expandida para duas das filiais, em Salvador e Teresina.
Também na cidade, o Café de Móa criou a tapioca com queijo de cabra. Já a sorveteria 50 Sabores oferece o sorvete feito com a goma.
Mas, é claro, nem só de novidade vive a tapioca do Ceará. Em praias como a Taíba, a 75 km de Fortaleza, ainda se encontra a tapioca rústica, grossa, com coco, acompanhada de peixe frito na hora vendido pelos pescadores.
Histórias da tapioca e do Brasil se cruzam
A história da tapioca parece ter sido escrita junto à do Brasil. Os povos tupis foram os primeiros a explorar a mandioca e a extrair a goma. Conforme aponta o professor do Senac, Sandro Dias, há registros do século 16, como os do português Pero de Magalhães Gandavo.
“Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos, que se chamão beijús”, escreveu.
No Brasil colonial, explica José Arimatéia Bezerra, professor da Universidade Federal do Ceará, a tapioca era consumida como acompanhamento para peixes e carne de caça. “Substituía o pão branco de trigo e passou a ser consumida com leite, carne ou ovo.”
No sertão nordestino, a prática era usar a manteiga. No litoral canavieiro, leite de coco, açúcar e folhas de bananeira como “embalagem”.
O mais difícil é precisar o local de nascimento da tapioca. Os primeiros relatos escritos se referem ao Norte do Brasil, hoje Nordeste, mas são imprecisos.
Se não sabemos de onde veio, podemos ter certeza de que viajou longe. No século 19 chegou à Ásia, a países como Tailândia e Vietnã.
Fonte: Site Boa Informação